Sabe, eu adoro essa profissão de ser um bebezinho. Dou um duro danado pra não evidenciar minha maturidade. Fico babando nas coisas, choro forçado, solto gritos guturais, e chego até a fazer as necessidades na roupa. Tudo muito profissional, mas não considero isso um trabalho. Na verdade, eu ainda não entendo bem por que os adultos invocam tanto a palavra “trabalho” em situações comuns:
- ‘Dorme logo, Caio, que amanhã tenho que ir cedinho pro trabalho’ – reclama a mamãe.
- ‘Se o guri continuar mamando e comendo assim vou precisar de outro trabalho’ – comenta o papai.
- ‘Esse moleque não pára... dá trabalho o dia todo’ – discutem as vovós.
- ‘Olha o Cainho estragando todo o nosso trabalho!’ – grita a amiga da mamãe.
Por ouvir falar tanto em trabalho perto de mim, acho que foram bem merecidas as férias que tiramos no novembro passado.
Fui acordado bem cedo, depois de uma longa noite de correria arrumando malas e acertando os detalhes da viagem. É estranho notar que eu, sendo bem menor até mesmo que a pilha de caixas de sapato da mamãe, precise de uma mala bem maior que toda a bagagem dos dois juntos. O papai e a mamãe são mesmo exagerados! O que será que eles querem insinuar com aquele pacotão super-extra de fraldas na minha mala?
Depois de tudo pronto, abastecido e carregado (estou falando de mim mesmo, e não do carro) achei melhor deixar o papai ir dirigindo, porque ainda me sentia deveras sonolento. Pelo que pude notar através da sutil mudança térmica do clima subtropical úmido para tropical de altitude, e do rumo leste-nordeste de 67,5º que tomávamos, deduzi que estávamos indo no sentido da rodovia Castelo Branco, logo, em direção a São Paulo – maior cidade de todo o hemisfério Sul e principal centro financeiro, corporativo e mercantil da América Latina, concentrando 12,26% de todo o PIB brasileiro. (Andei bisbilhotando as apostilas do curso de Geografia que o papai está terminando).
Depois de uma longa via sacra, acumulando milhas e visitas a amigos do papai, parentes da mamãe e passeios turísticos por Campinas, Itu (aonde a maior coisa que vimos foi a distância do trevo até a cidade), Osasco e Sampa – sem se esquecer de uma passada por Jundiaí, para combinarmos com nosso duvidoso guia turístico, meu padrinho – finalmente chegamos ao nosso destino final (na viagem): o litoral paulista.
Foi realmente incrível. À minha frente havia um continente todo de água que ao fundo se confundia com o céu, quase no mesmo tom, como se concluíssem uma aquarela expressionista monocolor (essa veia poética é herança genética dos Gonçalves Dias). E olhando aquela infinitude de água cercada de areia por um lado só, não pude evitar que um pensamento fluísse: “Viajamos tantos quilômetros e horas, sofremos desgaste físico e mental, investimos todo o adicional de férias do papai só pra vislumbrar isso: água, gente e areia. Só não entendo o porquê, se lá em Pres. Epitácio, pertinho da casa da madrinha, tem uma praia igualzinha a essa!”
Abstrações à parte, nossas férias foram uma experiência enriquecedora. Ainda mais para os vendedores ambulantes da Rua 25 de Março, em São Paulo, que despertaram avidamente os instintos consumidores da mamãe. Eu me lembro que a última vez que havia visto tanta gente e bugiganga juntos num mesmo lugar foi na lojinha de R$1,99 do calçadão de Londrina, na época de Natal, e mesmo assim, tenho certeza que não haveria tanto tumulto e correria só por alguém gritar: ‘Olha o arrastãããõoo.” Se ainda fosse um FURACÃO ou um TUBARÃO... Aliás, modéstia à parte, 25 de março é também a data em que comemorarão minha primeira festa de aniversário, coincidentemente no mesmo dia e mês em que nasci no ano passado.
É claro que eu não poderia deixar de comentar nossa visita ao Zoológico de São Paulo, mais memorável pela indisfarçável excitação do papai ao ver uma girafa pela primeira vez do que pela própria fauna engaiolada. Alternando entre pescadas e cochilos, lembro-me vagamente de ter visto meia dúzia de animais, uma infinidade de árvores e a cara de desconforto da mamãe, do papai e do padrinho a cada revezamento de colo. Mas confesso que me diverti mais com os bichinhos de pelúcia da loja do Zoo do que com os de verdade, todos aparentemente desconfortáveis com a gritaria das crianças das excursões.
Acrescentei muito ao meu limitado conhecimento do mundo nessas férias. A água super-gelada do mar até despertou em mim um dom pra sapateado que desconhecia completamente, porém, a foto em que pareço ensaiar um en dehors à la Baryshnikov foi intuitivamente trocada pela foto de surfista ao lado, mais comercial. Foi uma viagem ótima e revigorante, contudo, como somos espontaneamente pressionados pelo limitado prazo que o Estatuto dos Servidores concede, só me resta conformar com o retorno à desgastante labuta diária da profissão de bebezinho da casa.
Rapaz . . .ainda bem que eu sobrevivi a profissão de bebezinho com êxito. Agora vou tentar enfrentar essa tal vida de adulto que teima em me assombrar. Abraço Pequeno Caio*
ResponderExcluirNossa...é incrível Super...ops, mini super...ou melhor...super boy...
ResponderExcluirAmo vcs!
Bjs no principezinho...
"Tia" Má...