terça-feira, 13 de janeiro de 2009

NEM TUDO O QUE RELUZ É DOCE

Tenho descoberto e aprendido muito com meus pais e meus dias. Acordo inevitavelmente sorrindo todas as manhãs, já prevendo que algo diferente vai se descortinar para mim mesmo com a rotina manjada.
Uma das lições mais valiosas que tenho processado a cada dia é que nem tudo o que pode ser pego e levado à boca é comestível. Algumas coisas, inclusive, têm um gosto horrível. Ainda que sejam coloridas, brilhantes e irresistíveis. É um instinto primitivo, obsessivo, incontrolável. Salivo assim que enxergo qualquer coisa maior que uma unha e menor que minha mão fechada, independente de qualquer dificuldade para alcança-la.
Só não entendo o desespero dos meus pais quando percebem minha ânsia em saborear o mundo... eles parecem malucos às vezes! Gritam, correm, esbugalham os olhos, dão tapas na minha mão, resmungam me apontando o dedo, e depois ficam rindo e se gabando pros outros das experiências do meu paladar. Será que agem assim com todas as pessoas pequenas?
Bom, não posso me queixar, porque é através deles que aprendo mais sobre as tradições ocidentais. Nesse pouco tempo juntos já decorei uma boa lista de objetos e coisas que não posso usar como alimento ou chupeta: o lírio da varanda, o pneu da moto, a sola dos sapatos que deixam a beira do colchão, a nota de 10 reais (mas ainda pretendo provar aquela amarelinha, quem sabe o papai não se importe tanto com o mico-leão quanto foi com a arara!), o alarme do carro, o Jornal de Londrina da sexta-feira (aposto que ficaram bravos por causa da palavra cruzada), a tampa do lixo da cozinha, o celular novo da mamãe etc.
Contudo, o mais traumatizante pra mim foi um episódio da semana passada: eu estava ajudando o papai a colocar a roupa suja na máquina de lavar - na verdade minha contribuição era apenas ficar longe o bastante pra não atrapalhar o árduo trabalho dele de selecionar as peças que poderiam ser colocadas juntas – e, no auge da minha desocupação, acomodado no andador (que, pasmem, não anda), avistei um objeto azul que poderia me entreter por alguns segundos. Aproveitando a plena concentração do papai com seu ofício, alcancei o balde rapidamente e levei à boca o único brinquedo que havia no seu interior. Até hoje estou abismado com a agilidade do papai em tirar aquele bichinho da minha mão sem que eu notasse, parecia que ele tinha sumido por mágica!
O papai pareceu não ter gostado de seu próprio truque, fazia suas recomendações nada sutis olhando com aparente asco aquela simpática e apetitosa barata, enquanto a mim só restava saborear a única perninha que consegui conservar na boca. Confesso que a textura não era das melhores, coçava e fazia cócegas no céu da boca e na língua, e por isso nem reclamei quando o papai socou os dois dedos, lotados de sabão, pra resgatar o membro amputado da bichinha.
No final, quem carregou a cruz fui eu... virei motivo de chacota na família! Minhas avós, meu padrinho, minha madrinha, todos se divertem até hoje improvisando piadas sobre hábitos alimentares exóticos, crise financeira na cozinha de casa, outros seres vivos que sou capaz de devorar e por ai vai. Na próxima vez, prometo que como o celular novo da mamãe inteiro, e aí quero ver ela ficar espalhando mensagens com minhas mancadas por aí.

Nenhum comentário:

Postar um comentário