Pode-se dizer que o idioma de uma nação é sua expressão menos sólida e firme tomando-se, com base arenosa, a maleabilidade dos regionalismos encravados nela. Se isso não fosse um axioma indiscutível, e cada sotaque revindicasse sua independência regional, o Brasil estaria mais rachado que calcanhar de caboclo com ácido úrico ou que a antiga Desunião Soviética no fim da sua ditadura democrática. Não é, mon tavarishes?
Para se ter uma noção, o estado de São Paulo, por exemplo, se dividiria em 3 países só por causa da mistura! E não estou falando de migrações ou miscigenação de etnias. Falo de mistura no sentido de 'guarnição que acompanha o PF' ou, para não ser processado pelo sindicato dessa sigla, 'a parte do boi misturada ao arroz com feijão no almoço de rua'.
Repare: enquanto em Sampa o mano que quer ‘rolar um churras’ vai ao açougue e pede caRne pro tiozinho, tirititando a língua; no Velho Oeste Paulista, o peão que vai ‘fazer um pebolim’ pede sua carrrne em mazzaropês na Casa de Carnes; e no Litoral, o brother – quando o bagre está muito ensaboado ou com preço de salmão – fala pro véio do açougue que vai queimar uma caRRRne pra espantar a larica, em indisfarçável carioquês. Só aí seriam 3 bandeiras diferentes num mesmo estado só por causa do sotaque. Agora, tente imaginar quantas variações idiomáticas teríamos do Acre até o Rio Grande do Sul, baldeando pelo Nordeste e ponteando no Centro Oeste do nosso Brasilzão.
Mas não é sobre separatismo que pretendia falar... até por que, por falar em falar, falar juntando as sílabas tem sido, para mim, uma revolução mais traumatizante que a Farroupilha, Balaiada, Sabinada, Inconfidência e Reforma Ortográfica juntas numa segunda-feira de manhã no horário de verão. Isso sem exageros.
Depois de mais de 1 ano e meio de colégio particular e quase mil horas caseiras de XSPB, Cocoricó e Galinha Pintadinha, a primeira frase que consegui pronunciar inteira, num só fôlego, com sintaxe irreprimível, morfologia correta e todas as formalidades cabíveis, foi: “O TIGUE FAIZ URRRAAAUUU” (com respeitável onomatopeia). E olha que eu ensaiei muito para impressionar a mamãe, que achou o máximo. Mas foi o papai, presente na ocasião histórica, quem demonstrou seu impressionismo mais abstrato, e já na outra terça-feira abandonou a faculdade de Geografia e se matriculou em um curso de Libras lá no centro. Se eu não conhecesse as loucuras do papai iria achar que ele não está botando fé na minha oratória.
Imagine agora o quanto eles ficariam orgulhosos se descobrissem que o que me falta do idioma em fonética esbanjo em coesão e coerência ortográfica nas minhas redações.
Até a próxima delas, pois ainda há muito o que se dizer.
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